Dói

29 de dezembro de 2014
O corpo inerte e pálido parecia sem vida. O tórax poucas vezes subia e descia. Quase já não havia respiração. O ar pouco era inspirado. A expiração era mínima. Os olhos azuis fechavam-se devagar. O cérebro tratou de assimilar as últimas imagens. Os raios de sol penetravam a grande janela. As cortinas estavam abertas, escancaradas. O céu anil e as altas temperaturas indicavam mais um belo dia de verão. Ah, janeiro! Como você tornava a todos um bando de massas corpóreas escaldantes e alegres! Havia uma foto sobre o peito da menina. Um rapaz bronzeado, dos cabelos e olhos castanhos. Ele sorria para o teto branco. Sorria como se não houvesse o amanhã. 

Os lábios entreabertos já não salivavam. As narinas já não eram suficientes para fazer o oxigênio chegar até os pulmões cansados. Em seu interior o coração falhava, como se houvesse corrido uma maratona interminável. Será que era por isso que ela se sentia tão exausta? 

Os cabelos castanhos pareciam ter sido pintados pelo pior dentre todos os cabeleireiros da região. Haviam partes nas quais os fios estavam tingidos de um vermelho escuro. As gotas não eram suaves e uniformes. Estavam borradas coaguladas e cheirando mal. As pontas embaraçadas estavam repletas de nós impossíveis de serem desfeitos. 

A porta se abriu em um estrondo. O homem gritou. Seu coração acelerou. As mãos dirigiram-se à boca. Os olhos arregalaram-se enquanto um mar de lágrimas escorriam por sua face escarlate. Havia pânico. Havia dor irremediável.
O fantasma em forma de garota juntou suas últimas forças. Ela virou o pescoço na direção do rapaz paralisado. Seus lábios desenharam um pequeno sorriso terno, como se sua expressão passasse do mais temido demônio ao mais dócil dentre todos os anjos de Deus. Sua mão direita ainda mantinha presa entre seus dedos finos um estilete. Sua ponta enferrujada era banhada de sangue, assim como seus pulsos que quase não mais sangravam. O líquido vermelho transformara-se em duas grandes poças, cada qual de um lado de seu corpo. Os dedos esguios soltaram o objeto cortante. Os olhos abriram-se por um segundo ou dois. Aquela íris azul celeste ainda transmitia brilho. Não qualquer tipo de brilho, mas aquele que traz consigo a pouca esperança que ainda é capaz de produzir. 
-Por que Annabelle? - perguntou o homem à porta, completamente atordoado, com os olhos imersos em lágrimas, de joelhos ao chão. Ele não sabia rezar, mas desejou que tivesse aprendido quando mais novo, para poder salvar aquele demônio angelical.

Os lábios rubis abriram-se alguns centímetros e uma voz quase inaudível respondeu às súplicas desesperadas:

-Porque dói te ver com alguém que não sou eu, amor meu. 

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