Que o vento te leve para longe enquanto reformo a caixa das minhas lembranças

4 de junho de 2015
Encontrei-a soterrada em meio às velharias. Como ela estava empoeirada! Eu a havia esquecido por tanto tempo, que por um instante imaginei que a tivesse perdido. Sei lá, os anos passam e muitas outras coisas são consideradas prioridades. A caixa é apenas um artefato arcaico, daqueles lendários, aparentemente sem uso algum.
De repente, alguém aparece e você sabe que aqueles segredos estão resguardados. O relicário está diante de seus olhos. Você o limpa, lustra ... Mas, e a chave? Pois é, quantos de nós sabe por onde anda a senha que nos fará brotar os sentimentos mais inesperados?  Reaver tal jóia requer tempo. A tranca não nos permite ver muito além do objeto em mãos. Nem ao menos adianta espionar pela fechadura. Lá dentro habita a escuridão. 
Já faz um tempo que deixei aquela antiguidade sobre a mesa.Passo por ela, paro, a observo. Fico imaginando o que tem de tão importante lá dentro, ou até mesmo o que ansiei esquecer. As pessoas gostam de manterem-se seguras, afastadas da dor, do vazio que frequentemente insiste em nos apoderar. Você sabe, como quando somos massacrados e aquele que nos feriu tomou tudo de melhor que possuíamos. O que nos resta? Nada, apenas o buraco negro que nos hipnotiza com sua beleza e terror. 

Outro dia, como que por milagre, avistei algo caído atrás do sofá. Pequena, prateada e brilhante. Que engraçado, por que havia jogado a chave ali atrás? Para ser honesta, quando decidi esconder aquele tesouro? Isso faz tanto tempo! Há anos que me desfiz das recordações, e agora que almejo acessá-las, fico questionando meu comportamento infantil.

Ao abrir a canastra meu coração disparou. Compreendi porque decidira olvidá-la, enterrá-la para longe de meus sentidos, minha curiosidade aguçada, minha vontade louca de provocar-me feridas incuráveis. Tudo aquilo parecia-me tão distante. Havia fotos, poemas, bilhetes de metrô, passagens de avião, papéis desgastados com nome de lugares em que fomos de ônibus. Sorri. Recordei-me das muitas chuvas torrenciais que nos molharam em Rimini. Do frio congelante, quando você me fez ver a neve pela primeira vez em Cervinia. Os três giros, na ponta do pé sobre a figura de um touro no Duomo, para que retornasse com você, no próximo ano, ou quem sabe para que por ali passássemos pelo resto de nossas vidas. Lembrei do quanto era tola. Como seu sorriso fazia meu coração bater mais forte e o quanto odiava ter que dizer “Boa noite”, sempre que nos despedíamos pela webcam. Mas, minha mente gostava de mostrar-me as inúmeras vezes que você me beijou, me excitou e fez eu ir de menina à mulher em um piscar de olhos. Deus, como era bom! 

Sabe o que odeio? Odeio ter permanecido com os sentimentos impuros, com o medo impregnando as minhas correntes sanguíneas. Você acabou fazendo com que eu redescobrisse uma parte de mim aflita, frágil e cheia de neuras. Te odeio tanto por isso! 

Agora, com a caixa aberta, quero que todas estas rememorações sejam apenas poeira. Poeira que vez por outra sujará meus sentimentos, mas que tão rápido quanto surgiu, eu a verei ir embora. 

Abri a caixa porque agora ela pertence a uma outra mulher. Uma mais madura, uma mais intensa. Eu mudei e a nova pessoa que tem transformado meus dias tediosos em divertidas aventuras é tudo do que preciso. A questão, é que não quero ter medo de arriscas. Não quero ter medo de dar a cara ao tapa. Não quero ter medo de ser feliz só porque você foi um babaca que quebrou meu coração em mil pedacinhos. Por isso, meu caro filho da puta, eu jogo todo o conteúdo deste artefato janela afora, esperando que o vento leve para longe todas as incertezas deste meu novo romance. Que meu coração e minha mente compreendam que, diferente de você que foi imaturo o suficiente para dizer que as coisas entre nós não estavam dando certo, este novo amor é adulto para afirmar que está disposto a tentar. Engraçado, por mais medo que sinta em relação a isso tudo, talvez você tenha me ensinado a dar um passo de cada vez. No final das contas, eu tenha aprendido a observar, viver, sentir e me deixar levar. E, caso algo saia errado, permanecerei orgulhosa de meus atos, pois fui feliz o tempo que o universo julgou necessário.

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