Amanhecer, café com leite e os pensamentos nele.

14 de fevereiro de 2016

O amanhecer pincelava o firmamento com tons suaves de rosa, amarelo e azul. Pássaros voavam por aquela vastidão colorida, desejando participar daquela paisagem sublime, como se ao pertencer àquele efêmero momento lhes trouxesse motivos de sobra para levar seus cantos a quem deles precisasse. 


O ar tinha um cheiro engraçado. Não havia secura ao respirar. Sentia-se aroma de margaridas, em um canteiro próximo, recém plantadas, acompanhado do café com leite em uma caneca florida. Será que havia alguma relação entre a imagem e o odor de flores? Quem sabe. Talvez tudo não passasse de uma reles coincidência. 

A mão esquerda levou a caneca aos lábios. Por um instante a garota esquecera-se da quentura da bebida. Ela não reparou a fumaça branca que dispersava cada vez que colidia-se com a brisa fresca das primeiras horas da manhã. Seus pensamentos estavam distantes, envoltos em outras cenas, fixos na figura alta, dos cabelos pretos bagunçados, que continuava a fazê-la sorrir, com suas lembranças longínquas. “Há quanto tempo te vi partir?” - perguntou-se a garota de olhar vago, enquanto encostava a bebida fumegante em seus lábios rosados. “Isso foi há tanto tempo…”. A consciência retornou assim que o café com leite queimou a sua língua. Desatenção tornou-se algo corriqueiro, algo que adquirira com o tempo. 

Aos dezenove anos poucas eram as jovens que conheceram o amor. Não se tratava daquele amor bobo, daquela coisa platônica que criancinhas de onze anos passam a nutrir pelo menino “fofinho" da escola, ou o professor de matemática que corre todas as manhãs pela orla da praia. Para Gabriela, amor era algo inexplicável, algo que a fez perder o controle sobre si mesma, algo que a tirou da terra firme sem que pudesse se dar conta do que lhe ocorria. Todavia, como todo vôo a céu aberto, os riscos de perder as asas e colidir com o solo duro estava sempre a espreita de acontecer. E, quando esses tombos ocorriam, era a hora de voltar à realidade e encarar as consequências dos próprios atos.


Talvez Gabriela não tivera tempo suficiente para colocar os sentimentos por Eric em uma balança. Provavelmente, como acontece com todas as jovens, aos quinze anos de idade, o primeiro amor não vem com as medidas certas, ou com um manual de instrução. Ninguém te ensina a quantidade correta de amor que deve ser colocado dentro de uma relação. Nenhuma de suas amigas contou como se comportar, como agir e como encarar toda aquela novidade. Pensando bem, aquela situação por muito tempo era algo privado, guardado às sete chaves, como se o ato de esconder do mundo o romance que ela tanto era viciada, pudesse fazê-lo durar a eternidade. Pobre menina ingênua. Há coisas que só podem ser descobertas com o passar do tempo!

Mas as cenas continuavam a projetar diante de Gabi. Elas intercalavam, como pequenos flhashs, em meio a um romance açucarado, ao estilo Nicholas Sparks. Os encontros durante a madrugada, as manhãs despertando ao lado daquele garoto controverso… Como ela nunca enxergou que havia alguma coisa de muito errada com ele? Pensando bem, será que não fora ela mesma quem inventou a imagem perfeita, de um Eric perfeito, sem qualquer tipo de dano ou defeito? 

Agora ela via com clareza. Gabriela compreendia o medo que o rapaz tinha em se envolver. Também, como confiar em um relacionamento, se aquele que ele presenciava com os pais eram verdadeiras lutas armadas, nas quais as feridas nunca poderiam ser cicatrizadas? Por um tempo, após o término repentino do namoro, a menina chegou a cogitar que precisaria pedir-lhe mais uma chance. Que era injusto tudo ir por água abaixo só porque o segredo do namorado viera à tona. Naquele instante, mais do que nunca, ela conseguiria mantê-lo sereno, cuidando para que os pesadelos desaparecessem da sua mente. Sempre fora ela quem o tranquilizou. Sempre fora ela quem o pegou por uma das mãos e o conduziu para um local seguro, uma espécie de purgatório, onde erros e acertos eram colocados de lado, remanescendo somente os puros e sinceros sentimentos. 

Aos dezenove anos ela era outra. Deixou de lado a figura da menina doce, das preocupações que tinha sobre os outros. Em sua nova etapa, ela se concentrava em levar cor e estilo aos que precisam da moda para se expressar. Gabriela não sentia rancor. Ela nunca viu seu relacionamento com Eric como algo ruim, ou como um enorme erro que cometera quando mais nova. Para ser honesta, Gabi guardava boas lembranças. Nutria por aquele garoto… Ah, garoto! Como se Eric alguma vez tenha de fato se comportado como tal. Ele nunca foi como os outros. Ele sempre foi algo a mais. 


Repentinamente, Gabriela notou a imagem de um sol bastante tímido adentrar o céu colorido, em tons pastéis. Ela suspirou. Da última vez que o notou, Eric estava ao seu lado, abraçando-a, agradecendo tudo que ela fora capaz de proporcioná-lo, enquanto estavam juntos. Era um pouco triste voltar a admirar aquela mesma cena, sentada na varanda, em frente à casa, completamente solitária. Por outro lado, talvez Gabi assim preferisse que as coisas passassem a acontecer em sua vida. Algumas coisas, alguns pequenos detalhes como o nascer do sol, por exemplo, fosse algo que ela desejasse observar sozinha, recordando-se de um menino que a fez crescer como mulher. Pensando bem, Gabriela gostava de se recordar de Eric. Era maravilhoso rememorá-lo e compreender que se não fosse por ele, talvez ela nunca soubesse a confiante mulher que ela é. Talvez seja por isso que daquela relação restaram apenas os sorrisos. Porque foi com Eric que Gabriela descobriu quem ela é e quem ela quer ser quando crescer. Livre.    


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