Conto - Amantes do crime

31 de março de 2016
Olhou para o firmamento como se buscasse orientação. Estrelas cadentes deixaram de cruzar o seu caminho anos atrás. Desejos eram mundanos, reles vontades imediatistas de quem prezava a maciez de seu ego. 

Se a lua possibilitava ao seu admirador esconder-se sempre que o quisesse, humanos podiam fazer o mesmo todas as vezes que lhes fosse confortável. Bastava que homens e mulheres portassem suas mais ternas máscaras, para que pudessem reinventar suas demoníacas faces. Em sociedade agia-se assim: seja quem os outros querem que você seja e o mundo te regalará do bom e do melhor.

Belinda suspirou. Olhou no relógio de pulso e viu que era tarde. "Por que sempre atrasado?", pensou a mulher loira, com os cabelos compridos presos em um alto rabo-de-cavalo. Talvez ele ainda estivesse à serviço. Manipular requer tempo e paciência, qualidades que Belinda não possuía. 

Girou nos calcanhares. Com passos largos, os quadris moviam-se de modo sensual. Ah! Como Christopher delirava só de vê-la caminhar! "Cafajeste! Onde foi que se meteu?". 

Tirou o telefone da base. A ansiedade gritava dentro dela. Bastava que ele a chamasse. Um único telefonema e ela saberia que o plano corria bem. 

Belinda e Christopher eram parceiros de longa data. Os dois cresceram no mesmo bairro humilde, na Cidade do México. Filhos de mães solteiras, trabalhar era obrigação desde muito cedo.

Aos vinte e poucos anos a vida simples deu espaço à luxúria. Casa em condomínio fechado, o mais novo carro de luxo na garagem, viagens por país afora. Entretanto, vizinhos nunca suspeitaram da índole do casal estelionatário. Afinal de contas, quem suspeitaria de pessoas de aparência tão encantadora?

“Se eu não atendi é porque tô no meio do auê. Deixa recado que retorno assim que der.” 

Aquele número era privado. Belinda o discava sempre que pressentia algo sair do controle. Cerca de dois meses atrás, Christopher foi quem apresentou à companheira de crime sua mais nova vítima. Senhora beirando os sessenta anos. Rica, sem herdeiros. Sua diversão eram os acompanhantes que contratava para passar os finais de semana. O plano era perfeito! Christopher é jogador nato. Convence o homem de pensamento mais astuto com a maior facilidade. A coroa festeira era garantia na certa. 

Belinda escutou o telefone tocar. Aquele toque a incomodava. Algo poderia ter dado errado.  

-Por que demorou tanto? - O tom impaciente denunciava nervosismo. 

-Porque a velha é osso! - reclamou o rapaz do outro lado da linha, com a voz irritada. - Por um instante pensei que o nosso plano fosse por água abaixo. 

-Como assim? - O timbre uma oitava mais alta era estridente. Era só o que faltava! Os dois serem pegos por conta de uma velha gagá! - Não vai me dizer que você não conseguiu ir até o fim com a ideia, Christopher? 

Um som esquisito foi produzido pelo rapaz. Aquela garota parecia surda quando estava sob pressão. 

-Porra, Belinda! Eu não disse isso! 

Se as coisas prosseguissem dessa forma, certamente o casal terminaria a noite em meio às discussões.

Christopher suspirou audivelmente. Por alguns segundos permaneceu calado, como se procurasse por palavras que acalmassem os nervos da noiva irritada. 

-Gata, só escuta. - Belinda nada disse. Christopher adiantou-se na conversa. - Pega as tuas coisas e me encontra no aeroporto. Partimos para Dubai daqui a duas horas. 

Um peso incômodo saiu dos ombros de Belinda. O coração disparado agora emitia o mesmo ritmo suave de uma música clássica. Violinos preguiçosos, instrumentos de sopro em devaneio. Melodias apreciadas por aqueles com tempo o bastante para escutá-la ao decorrer da vida. 

-Belinda? - chamou Christopher preocupado com o silêncio da amante. 

-Perdão, eu estava aqui pensando…

As vozes mesclavam-se na cabeça da loira confusa. O golpe fora um sucesso. Christopher conseguiu uma bolada de dinheiro. A quantia irrisória os sustentaria por alguns vários anos. Ainda assim, o que tanto a afligia? Talvez o fato de sempre darem golpes em pessoas mais humildes. Ou, quem sabe, o terror de ser pega em flagrante, antes mesmo do vôo ser anunciado.  


-Gata, não pensa. - Interrompeu o rapaz afoito. - Vem pro aeroporto. O resto comemoraremos em meio à riqueza, em haréns entulhados por ouro. 

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